Amazônia às escuras: como falar em transição energética sem acesso básico à eletricidade? - comitecop30.org

Amazônia às escuras: como falar em transição energética sem acesso básico à eletricidade?

O Profissão Repórter da última semana (29/07/2025) escancarou uma realidade que a gente já conhece há muito tempo: na Amazônia, ainda não acessamos eletricidade com qualidade. Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30 em Belém e o mundo discute a transição para fontes renováveis, milhares de comunidades amazônidas seguem às margens de qualquer modelo de desenvolvimento — inclusive o energético.

Dados recentes reforçam esse abismo. As duas pesquisas realizadas em 2024 pela Aliança de Juventude por Governança Energética, intituladas “Luz para Todos, mas todos quem?” e “A Pobreza Energetica na Amazônia Legal”, analisam os quase vinte anos do programa federal de universalização do acesso à energia elétrica, Luz Para Todos (LPT). Segundo o próprio Ministério de Minas e Energia (MME), em 2021, ainda havia 82 mil ligações pendentes em regiões remotas da Amazônia Legal. Entre 2003 e 2019, apenas 2.200 domicílios haviam sido atendidos nessas áreas — um número vergonhoso diante da urgência e da dimensão territorial da região.

A falta de acesso à eletricidade não se resume à ausência de luz: é ausência de água potável bombeada, de refrigeração de alimentos, de escolas em funcionamento, de comunicação e de participação cidadã. É também uma ameaça direta à existência de comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, que seguem sendo invisibilizadas pelo Estado e excluídas das decisões que moldam o futuro energético do país.

Enquanto o debate global avança para tecnologias “limpas”, muitas comunidades da Amazônia sequer experimentaram o modelo tradicional de geração de energia. Fala-se em hidrogênio verde, energia solar e eólica — sem reconhecer que, para uma parte significativa da população brasileira, falta o mínimo: uma ligação estável, segura e contínua. Isso não é transição justa. Isso é a repetição de uma lógica colonial, que prioriza os centros urbanos e relega as periferias geográficas e sociais à escuridão.

Programas como o LPT e suas ramificações (MLT e MLA) de fato avançaram, beneficiando cerca de 3,5 milhões de famílias no país desde 2003. Mas, na Amazônia Legal, 990.103 pessoas ainda vivem sem acesso à eletricidade, o que representa 3,5% da população da região. Em um país onde o IBGE aponta 99,8% de cobertura nacional de energia, esses dados revelam uma exclusão concentrada, racializada e territorializada.

Não é possível aceitar que, em pleno 2025, comunidades fiquem para trás em nome de uma “modernidade” que não dialoga com seus modos de vida. É hora de colocar as populações tradicionais no centro das decisões sobre a transição energética, garantindo não apenas acesso à energia, mas o direito de decidir como essa energia será produzida, distribuída e gerida. Precisamos de um modelo energético verdadeiramente justo, descentralizado e popular — que respeite os territórios e promova o bem viver.

A COP30 precisa ser mais do que um palco internacional. Precisa ser um ponto de virada para que a Amazônia deixe de ser vista como fornecedora de recursos e passe a ser tratada como território vivo, com gente, cultura, ancestralidade e direito à luz — em todos os sentidos.

Acesso às pesquisas em:

ENERGIAS PARA TODOS, MAS TODOS QUEM_ – ALIANÇA DE JUVENTUDES.pdf

POBREZA ENERGÉTICA NA REGIÃO NORTE – ALIANÇA NACIONAL DE JUVENTUDES.pdf

Artigo escrito por Natalia Mapuá

Ativista socioambiental, Indígena Mapuá, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), atua na linha de frente da defesa dos territórios e dos direitos das juventudes amazônidas. É coordenadora da Aliança de Juventude por Transição Energética Justa, articulação formada por jovens do Norte e Nordeste do Brasil que promove debates por uma transição energética ecológica, popular e comprometida com a justiça climática. Consultora no Instituto Desinstitute. Conselheira do Movimento LED – Luz na Educação, iniciativa da Globo em parceria com a Fundação Roberto Marinho. Integra o Comitê Técnico de Juventude do Fórum Paraense de Mudanças e Adaptação Climáticas (FPMAC).

As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as do Comitê COP30. Nosso objetivo é estimular a participação das organizações na luta por soluções e futuros mais sustentáveis.1

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